Oi, eu sou o Pablo [oi, Pablo...] e eu escrevo.
Escrever é bom pra caralho, né não? Só sentar na frente do computador, abrir um arquivo em branco e deixar a informação correr. Pra mim é tipo uma descarga mental. Frustração, tristeza, ansiedade, tu transforma tudo em material. Quem nunca escreveu nada só por escrever, começa agora. Para tudo que estiver fazendo, pensa em alguma coisa que tá te incomodando e deixa a coisa fluir.
O conto abaixo foi escrito em 2010 se eu não me engano. Desde lá, tive a idéia de fazer uma coletânea, e eu juro que UM DIA todas as crônicas vão estar prontas. Um dia. Até lá, tentem se divertir lendo.
“- Valhalla, o paraíso
dos Vikings. Segundo a cultura deles, apenas os que morriam lutando tinham o
direito de chegar lá. Na hora de sua morte, as valquírias, deidades aladas,
buscavam a alma do bravo guerreiro. Apenas os que morriam lutando...”
Tudo girava. O que ele fazia ali? Não lembrava... O maldito
farfalhar de asas o acordara. Talvez algumas pombas tivessem pousado no
telhado.
Só conseguia encarar a garrafa vazia na sua frente, o quarto
escuro a sua volta. Tinha sido sempre assim, não? O quarto escuro e frio, a
solidão. Algo o fazia pensar que sempre fora assim, enquanto outra lhe dava
certeza de que sempre seria assim.
Junto com a memória, as vozes voltaram. Sim, as vozes.
Sempre do lado dele. Por isso bebia. Pra não ouvir elas. Quanto tempo? Cinco
anos? Dez? Não fazia diferença...
Ele sempre prometia que ia ser a ultima vez. Que não ia mais
beber. Não precisava daquilo. Mas as vozes não só o incomodavam quanto estava
sóbrio, como o forçavam a beber. O que elas queriam? Porque não iam embora?
- Somos você.
- Não são.
- Estamos do seu lado.
- Não estão.
- Você está
completamente sozinho... só tem a nós. Todos os outros querem teu mal. Todos os
outros merecem a morte.
- Se TODOS merecem a morte, vocês também não merecem?
- Não nos compare com o resto.
Ah, claro. Tinha A voz. Uma que se sobrepujava às outras.
Uma que veio antes... Ele já fora daquele jeito. Até lutar contra, se dividir.
Desde então, outra parte dele se refugiou nos confins do seu subconsciente, e o
manipulou. Manipulou, incomodou. Levou-lhe à insanidade mais de uma vez.
- Insanidade é salvação.
- Não, não é. Sofrimento não pode ser a salvação. Não pode
ser a resposta.
- O que é então? “Amor”? “Amizade”? Todos esses valores infantis que eu
te provei serem falsos?
- Também não... E eles não são falsos.
- Se não são falsos, porque tu está “sozinho”? Por que teus amados
amigos não estão aqui? Não foi por eles que tu lutou tanto tempo?
- Não exatamente...
- E a família? Não era pra ter pelo menos um deles do teu lado? Tu
nunca teve ninguém... Só a nós.
- Pára... Parem...
As vozes riam. Antes, ele só as ouvia de longe. Ouvia só A
voz, com as outras ao longe, rindo... Sempre rindo.
- Saiam da minha cabeça.
- Sair? Como? Nós somos parte de você.
- SAIAM!
Ele foi até o espelho, tentando se olhar nos olhos. Aquilo
doía. No reflexo... não era a sua imagem. Era Ele, cercado pelas vozes
menores. Todas rindo, salvo Ele que mantinha o semblante sério.
- SAIAM-DA-MINHA-CABEÇA!
- Depois que tu sair do meu corpo.
- EU JÁ TENTEI! EU JÁ TENTEI ENTREGAR ELE PRA TI! EU JÁ
TENTEI CONVIVER CONTIGO! O QUE MAIS TU QUER?
- Ah, verdade. Talvez eu não queira mais o corpo... Talvez eu só queira
te fazer sofrer.
O reflexo no espelho tremeu. Agora, estavam todos dentro do
espelho.
- Sozinho... Sozinho...
- PAREM!
- Eu tentei te proteger. Eu tentei te afastar do mundo. Ele que quer
seu mal. Tu não pode confiar nos outros. Tu confia, tu sofre.
- Eu sofro por tu estar junto, me envenenando, não me
deixando tomar minhas próprias decisões!
- Tu não vê tua fraqueza? Tu sempre tentou proteger os outros, viver
pelos outros... Enquanto eu deveria te proteger. E eu tava fazendo isso. Te afastando deles!
As vozes
começaram a cantar.
- All the streets where I walked alone, with
nowhere to go...
- … have
come to an end.
- Não! As ruas não acabam. As possibilidades são infinitas. As pessoas
só nos limitam!
- Sim, elas acabam. E nossa vida virou uma rua dessas, com
um muro no final. Eu tentei quebrar aquele muro... E tu fez isso comigo. EU IA
CONSEGUIR UM FUTURO FELIZ PRA NÓS, POR QUE TU TINHA QUE SE METER?
- PORQUE NÃO EXISTE UM FUTURO FELIZ SE TU CONFIAR NAS PESSOAS! CONFIE
EM MIM, EM NÓS!
- I couldn’t face a life without your light...
- Por que, por que… POR QUE TU TINHA QUE FAZER ELA IR?
- Eu não fiz ninguém ir. Ela foi por vontade própria... todas elas
foram.
- CHEGA!
Saiu da frente do espelho. Sabia onde tinha uma arma. Sabia
que ainda restava uma bala.
- É isso? Vai desistir? Vai ser fraco a esse ponto?
- I found no people killing time, so I found
time for killing people…
- NÃO ME IGNORE!
Passou pelas poças de sangue, fruto da atrocidade que as vozes
o obrigaram a cometer. A arma ainda estava ali, no meio das garrafas de vodka
vazias.
- FRACO!
- Pelo contrário. Mais forte do que tu.
- NÃO TEM NADA DEPOIS! SÓ VAI TER O ESCURO! O VAZIO!
- É melhor do que te agüentar.
- NÃO!
Com a sua ultima gota de sanidade, pegou a arma e apontou
para o céu da boca. Antes que perdesse o controle, puxou o gatilho.
Antes que perdesse a consciência, ouviu um estranho e
agradável farfalhar de asas...